Uma frente para ‘ganhar’ o governo e acabar com o strossnerismo
Por Celso Guanipa Castro
Talvez seja difícil de entender que, no Paraguai, a Frente Guasú, do ex-presidente Fernando Lugo, e o Partido Liberal, do golpista Federico Franco – o vice que conspirou contra ele em 2012 – reeditarão uma aliança para as eleições presidenciais de abril, com o objetivo de derrotar o projeto neoliberal do Partido Colorado, sobretudo se consideramos as feridas deixadas pelo golpe.
Os colorados pretendem dar sequência ao plano antipopular do atual presidente Horacio Cartes e já anunciaram como seu candidato o empresário Mario Abdo Benítez, filho homônimo do secretário privado do ditador Alfredo Stroessner – que assegura contar com “as credenciais democráticas em sua luta política”, embora muitos duvidem que ele as tenha. “Marito” foi recentemente à Argentina, onde buscou o voto dos milhões de paraguaios residentes no país, dizendo que apesar dos assassinatos, torturas e desaparições forçadas da ditadura, Stroessner fez muito pelo país.
O general Stroessner governou o Paraguai com mão de ferro durante 35 anos. O pai de Benítez foi um dos seus colaboradores mais próximos. O candidato tenta agora se desvencilhar dessa história familiar, com uma campanha baseada em fortes críticas ao governo de Cartes, enfocada em acabar com a corrupção que domina o país.
O acordo entre a Frente Guasú e o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) foi confirmado após conversas que visaram despejar os fantasmas do passado recente, quando ambas as forças formaram parte do governo, entre 2008 e 2012, com o trágico final do golpe parlamentar que destituiu Fernando Lugo, substituído pelo então vice-presidente liberal Federico Franco – o mesmo método que depois seria aplicado por Michel Temer contra Dilma Rousseff no Brasil.
A nova frente – idealizada por Lugo, que é senador e está impedido de disputar a presidência novamente – se chama Grande Aliança Nacional Renovada (cuja sigla GANAR, significa “ganhar” em espanhol), e terá como candidato presidencial o advogado liberal Efraín Aguirre, acompanhado pelo jornalista Leo Rubin, da Frente Guasú, como candidato a vice. “Temos um pensamento pragmático, sabemos que o PLRA não chegaria sozinho ao governo e tampouco nós poderíamos, ao menos neste ano. Havia suas opções: ficarmos de braços cruzados ou fazer um acordo e ter um programa que pense o país e busque avanços”.
O desafio agora é incorporar o PLRA, de posições historicamente conservadoras, à luta pela distribuição da terra e da riqueza, e à luta para impor uma agenda social e de defesa dos direitos humanos. Para Rubin, o PLRA é visto como um partido de centro-direita, mas é uma força política com muita base social, que aglutina também parte do progressismo, não somente conservadores.
“A juventude liberal é bastante progressista, e Efraín Alegre é uma pessoa que tem um pensamento realmente muito parecido ao nosso, e que divide conosco o compromisso com os oito principais pontos programáticos da candidatura, entre eles: equidade tributária, soberania energética, saúde e educação públicas”, explica.
Rubin encontra semelhanças nos eventos pós-golpe ocorridos em Honduras (depois da queda do presidente Manuel Zelaya) e no Paraguai, devido à estrutura socioeconômica e política de ambos os países. “O Paraguai é um país com um baixo desenvolvimento das forças produtivas e sociais. Não há uma classe operária muito significativa, e sim uma população majoritariamente camponesa há muitas décadas, e uma sociedade onde abunda o emprego informal”, analisa.
Para o candidato a vice-presidente, “a institucionalidade paraguaia é precária, apesar de as Forças Armadas hoje serem institucionais e os grupos golpistas estarem centrados no Partido Colorado e numa oligarquia que maneja a agro exportação, e também os grandes meios de comunicação. Há mais de cem anos que temos dois partidos tradicionais: o Colorado e o Liberal”, recorda.
O golpe no Paraguai, em 2012, foi baseado num juízo político que disfarçou os interesses mesquinhos por trás do Massacre de Curuguaty – um ataque a tiros onde morreram 11 camponeses e seis policiais, e que foi usado para responsabilizar criminalmente o então presidente. Foi um golpe de Estado parlamentar com arremedo de roupagem legal, o laboratório para o que aconteceria no Brasil quatro anos depois.
“Em 2013, de alguma forma, a democracia voltou. O país elegeu Cartes, que é um governo bastante corrupto, que maneja o país como um latifundiário, com um governo paralelo comandado pelos gerentes de suas empresas e ministros que praticamente não têm nenhuma incidência. Apesar de tudo, estamos dando um passo adiante nesta aliança, e vamos enfrentar o Partido Colorado e o presidente atual, embora eles contem com muito maior financiamento, com o poder do Estado e com os meios de comunicação”, indica Rubin.
Apesar de atacar o governo de Cartes, Mario Abdo Benítez propõe um modelo de país similar ao do atual presidente, ligado aos agronegócios e favorável ao poder econômico. Cartes, após quase cinco anos no poder, com maioria no congresso e o apoio de 12 dos 17 governadores, mostra um saldo negativo: promoveu a corrupção, duplicou a dívida pública nos últimos dois anos, aumentou a pobreza em 40% e a indigência em 20%.
Enquanto isso, o Movimento Político Indígena Plurinacional do Paraguai, apresentou no Tribunal Superior de Justiça Eleitoral os seus candidatos para o Congresso. O candidato a senador Gerónimo Ayala afirmou que seu setor busca impulsar “propostas relacionadas à problemática da terra, à saúde e educação públicas e ao meio ambiente, mas sobretudo na defesa dos direitos humanos”.
Diante deste cenário, a única alternativa para evitar um novo governo colorado é votando em abril para GANAR.
Celso Guanipa Castro é jornalista e cientista político paraguaio, do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)