Colombia: Entre o trem da paz e o dos negócios

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Por Camilo Rengifo Marín

O que é a paz? Esta pergunta é feita hoje por milhões de colombianos, desiludidos, conscientes de que a paz não deve ser reduzida à ausência de guerra, como supõe o poder fático e as elites, e sim que deve significar a possibilidade de viver e exercer dignidade, solidariedade e emancipação. Segundo o Observatório de Seguimento da Implementação do Acordo de Paz (OIAP), o avanço do acordo assinado em novembro de 2016 é de apenas 18,3%.
O presidente Juan Manuel Santos encabeçou, no dia 4 de janeiro, uma reunião com os dirigentes das Forças Armadas Revolucionarias de Colômbia (FARC) e a internacional Comissão de Seguimento, Impulso e Verificação da Implementação do Acordo Final (CSIVI), integrada pelos ex-presidentes de Espanha e do Uruguai, Felipe González e José “Pepe” Mujica, verificadores internacionais desde março do ano passado.

A reunião serviu para tratar de vários temas pendentes, como a reincorporação social e econômica dos ex-combatentes, a criação de infraestrutura para os municípios mais afetados pelo conflito, o avanço do acordo de anistia aos ex-guerrilheiros que permanecem nas prisões, etc. Também analisaram os alcances do Decreto 2199, de 26 de dezembro de 2017, que permite aos ex-guerrilheiros presos recorrer à Jurisdição Especial de Paz (JEP), onde seriam beneficiados com a liberdade condicional aplicável aos delitos políticos e conexos.

Tudo isso com a intenção primária de acolher os processos de reintegração que se desenvolvem a partir da Agência para a Reincorporação e a Normalização (ARN). A ideia é definir um demorado procedimento para conhecer os casos dos ex-combatentes que desejam dar esse passo e se submeter à JEP.

Sobre a mesa também esteve o informe “A paz em dívida”, do OIAP, um controle em tempo real da implementação, no que diz respeito à adoção de leis, decretos, atos legislativos e outras normas por parte do Estado, o qual aponta que os avanços “são mais contundentes quando têm relação com o fim do conflito armado que com a construção de uma paz estável e duradoura”.

O informe ressalta também que uma das principais dificuldades da implementação é a resistência do Congresso em mudar a Constituição. “A implementação normativa e institucional do 18,3 % dos acordos no primeiro ano é importante, mas insuficiente, e deixam em evidência a falta de vontade política e os muitos obstáculos enfrentados pelo Acordo Final”. O texto aponta que a aprovação legislativa do restante dos acordos estará condicionada aos resultados das eleições ao Congresso e à Presidência, que ocorrem neste primeiro semestre, e que com isso os Acordo de Paz terão que se submeter praticamente a outro referendo, metaforicamente falando.

O documento mostra ao governo que a construção da paz estável e duradoura não será possível se não se desenvolvem os pontos da reforma rural integral e da solução ao problema das drogas ilícitas. “Um ano depois das assinaturas, não há avanços legislativos em temas como o acesso e a formalização da terra, há pouca implementação dos planos nacionais e dos Programas de Desenvolvimento com Enfoque Territorial (PDET) concebidos para fazer a transformação rural colombiana”.

Após o encontro, as FARC, como novo movimento político – agora a sigla significa Força Alternativa Revolucionária do Comum –, exigiram a Santos exercer seus atributos constitucionais extraordinários para fazer com que os acordos fossem respeitados. “Solicitaremos ao Conselho de Segurança elevar uma consulta ao Tribunal Internacional de Justiça sobre os deveres adquiridos por um Estado diante de uma declaração unilateral de cumprimento, a respeito de um acordo de paz”, afirmaram.

Por sua parte, e apesar das condições apresentadas pelas FARC, o balanço apresentado pelo governo mostra o copo meio cheio: “os avanços são muito claros: pusemos fim a um conflito de mais de meio século, criamos as bases institucionais e normativas, atuamos decisivamente em favor da construção da paz”, disse Santos.

O espanhol Felipe González falou de uma “desvalorização” do processo de paz, que poderia ser fruto da campanha eleitoral que há no país. Ponderou que quando a disputa acabe “haverá um Congresso novo, um governo novo, e afirmou que se o compromisso de acompanhar a constitucionalidade dos acordos for mantido no próximo período, a paz finalmente terá vencido”.

O conselho político nacional das FARC ainda mantém as precauções de segurança próprias do processo de reincorporação, e recomenda “manter o espírito conspirativo”, não contra o Estado, mas sim para evitar “que nos aniquilem”. Nesse mesmo sentido, pediu aos militantes ter disciplina nos deslocamentos, não frequentar lugares arriscados e tomar cuidado com as comunicações.

Com a ideia da paz como uma locomotiva, imposta pelo governo e pelos meios hegemônicos, tentou-se relacionar a dinâmica pacifista com um trem, pela dificuldade de fazer irreversível sua marcha, e com isso chegar ao fim das FARC. Santos chegou a classificar sua “locomotiva da paz” como um investimento. Uma paz ligada ao investimento estrangeiro, como oportunidade de negócios entre setores empresariais.

Mas o caminho à paz que começaram com os Acordo de Havana se enfrentaram a várias montanhas e trechos espinhosos, difíceis de superar. A locomotiva passou a perder potência naquele 2 de outubro de 2016, quando o “NÃO” ganhou o plebiscito que consultou o povo colombiano sobre os acordos. Alguns tentam limpar os trilhos, outros não estão interessados porque seus benefícios econômicos e financeiros foram desarticulados, mas o processo não parece que vai se reencaminhar, ainda mais num ano de eleição presidencial.

Camilo Rengifo Marín é um economista e acadêmico colombiano e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégico (CLAE)

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