Newsweek: os meios evangélicos e a lavagem de dinheiro de uma igreja coreana

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Por Ricardo Carnevali

O grupo de meios Newsweek, propriedade de uma igreja evangélica coreana, enfrenta uma rebelião interna após a demissão de dois altos responsáveis editoriais e uma repórter, supostamente por causa da investigação da situação financeira da companhia matriz da revista por parte da justiça nova-iorquina, por suspeitas de lavagem de dinheiro

Newsweek é uma publicação tradicional da imprensa estadunidense, fundada em 1933, e chegou a ter uma circulação global de 3,3 milhões de exemplares até os Anos 90, até deixar de circular em papel, em novembro de 2012 – antes de sua compra, em agosto de 2013, pelo grupo IBT Media, que relançou uma versão impressa em 2014. Hoje em dia, publica cerca de 200 mil exemplares, a metade deles nos Estados Unidos.

Esta semana, o redator chefe, Bob Roe, o chefe de redação, Ken Li, e a investigadora Celeste Katz foram despedidos enquanto trabalhavam numa história sobre os vínculos financeiros da companhia matriz e a Universidade de Olivet, cristã fundamentalista. Outros jornalistas reagiram ao fato anunciando suas saídas de forma voluntária.

O grupo IBT Media, rebatizado como Newsweek Media Group em 2017, está na mira do promotor Cyrus Vance, que investiga vários empréstimos de origem suspeita recebidos pela companhia, segundo a imprensa estadunidense.

O Newsweek Media Group é uma organização estadunidense de notícias digitais de nível mundial, com mais de 90 milhões de leitores mensais. Publica as revistas International Business Times e Newsweek, entre outras. Sua sede fica no bairro Hanover Square, do Baixo Manhattan novaiorquino. Existe uma “relação de trabalho” com a Universidade de Olivet, que inclui a escola que dá assistência com o desenho e os recursos informáticos, e que a IBT Media oferece bolsas para os estudantes.

Johnathan Davis e Etienne Uzac, que figuram como proprietários, foram as opções óbvias para dirigir uma companhia de meios filiada à comunidade, com credenciais sólidas: Uzac, que se tornou o CEO da companhia, se graduou na Escola de Economia de Londres, e Davis, que foi editor executivo e agora é o diretor de conteúdo, estudou engenharia na Universidade da Califórnia, e trabalhou em duas companhias de tecnologia (S3 Graphics e NVIDIA).

No entanto, a publicação Christianity Today alega que a IBT Media tem uma relação de proximidade tanto com a Olivet como com seu fundador, o polêmico pastor evangélico David J. Jang. A plataforma de vídeo Bizu, pertencente à companhia, se associa com a IDG Communications e a France 24 para conteúdos, e com a Digitas e a PJA Advertising para a monetarização da plataforma. Ademais, a IBT é proprietária das revistas International Business Times (notícias comerciais e econômicas mundiais), Newsweek (famoso provedor de notícias e análises globais), Medical Daily, (site de notícias médicas), Latin Times (orientado à comunidade latina) e iDigitalTimes, um portal de notícias de tecnologia e meios digitais

Uma investigação da revista Mother Jones mostra que as conexões entre a IBT e a comunidade de Jang vão muito além do que Davis e Uzac reconhecem. Milhares de páginas de registros públicos e documentos internos, que incluem mensagens de e-mail até planilhas com orçamentos e planos estratégico, além de entrevistas com mais de uma dezena de antigos empregados da IBT e membros do círculo interno de Jang, os quais deixam claro que:

– Olivet e IBT estão vinculadas a uma rede de dezenas de igrejas, organizações sem fins de lucro e corporações em todo o mundo, as quais Jang fundou, ou exerce controle ou influência, com dinheiro de membros das comunidades evangélicas mais rentáveis, que ajudam a cobrir os custos das comunidades que perdem dinheiro e os gastos do próprio David Jang. O dinheiro de outras organizações filiadas à comunidade como um todo também ajudou a financiar o crescimento inicial de IBT.

– Os estudantes da Olivet nos Estados Unidos que possuem vistos de estudantes internacionais dizem que trabalharam para a IBT e outras entidades de meios comunitários, às vezes por somente 125 dólares semanais. Tanto a Olivet quanto a IBT descrevem essas relações como “estágios”, e alegam que ninguém trabalhou ilegalmente. Vários estudantes asseguram que nunca foi dito que eram estágios e que os documentos da Olivet apontam que os estudantes eram jornalistas, editores e vendedores.

– Segundo o Times, Uzac e Davis “disseram que Jang não tinha interesses financeiros na IBT nem influência no negócio”. Porém, a dupla reconheceu à Mother Jones que Jang havia dado “conselhos” à IBT. E embora não haja evidências de que o pastor controle os assuntos editoriais, os documentos internos o mostram analisando rotineiramente uma ampla gama de decisões comerciais, seja a respeito do controle de pessoal, estratégia de negócios e até da tipografia.

Jang vê os meios filiados à sua comunidade evangélica, incluindo a IBT, como parte essencial de sua missão para construir o reino de Deus na Terra. Diz que as companhias de meios filiado são parte de “uma nova Arca de Noé” desenhada para salvar o mundo de uma inundação bíblica de informação.

A IBT não é a primeira empresa de meios vinculada a um grupo religioso. A Igreja da Unificação, do reverendo Sun Myung Moon adquiriu o Washington Times, enquanto a Igreja da Ciência Cristã publicou durante décadas o Christian Science Monitor. Contudo, essas ligações são formais e públicas, mas os laços da IBT com a sua comunidade não são.

Em uma ocasião, Moon jurou que o Washington Times “se tornaria um instrumento para difundir a verdade sobre Deus ao mundo”. Mas o interesse do pastor Jang no negócio dos meios provêm de uma visão de um novo dilúvio bíblico. O mundo entrou num período de uma segunda inundação, segundo o explicado por ele aos seus seguidores numa mensagem de 2002, pelo em vez da chuva que caiu sobre Noé, a humanidade agora está se afogando em informação. As notícias, diz ele, são acessíveis a qualquer hora e lugar, e em quantidades incontroláveis, ao mesmo tempo em que “não há água para beber”. Para resolver esse problema, a comunidade do pastor David Jang construiu uma nova arca, um grupo de verdadeiros crentes que reuniu pessoas de todo o mundo e as tem preparado para entrar no reino de Deus através de rituais que representam o espírito, a alma e o corpo da igreja. A Universidade de Olivet representa a alma da comunidade. Os criadores de dinheiro do grupo – administradores dos negócios que vão desde uma sapataria até uma empresa se designer web – conformam o corpo da arca.

As duas primeiras empresas de comunicação da comunidade, Christian Today e Christian Post, eram explicitamente religiosas, mas quando foi fundada a IBT, em 2006, o foco passou a ser o mundo globalizado dos negócios. “Somos um grupo, mas também somos independentes ao mesmo tempo”, disse David Jang em 2009. “A Igreja atual como igreja, a companhia atua como companhia, o grupo atua como grupo, mas todos juntos avançamos na direção (do reino de Deus), e nosso serviço no céu será assim”, contou ele.

No artigo do Times sobre o relançamento da Newsweek, Uzac e Davis relataram uma lembraram de uma história clássica de um empreendedor, sobre como “juntar dinheiro de familiares e amigos” para começar seu próprio sítio web. Mas os documentos, as páginas web arquivadas e as entrevistas com antigos membros da comunidade contam uma história mais complicada. Um ex-membro que esteve envolvido na fundação da empresa disse que “isso é es completamente falso”: a IBT “foi fundada quando a Universidade de Olivet acabava de começar e realmente necessitava de recursos. Quem a criou (Jang) o fez, basicamente, escolhendo os membros da igreja que demonstraram ser mais hábeis em seus negócios”, segundo o testemunho publicado na Mother Jones.

A IBT não era a única empresa filiada à comunidade que enviava dinheiro a Olivet. Um balanço anual de 2007 mostra 53,5 milhões de dólares em doações, fundos que parecem ter sido entregues ao próprio Jang. “Quando chegar (à igreja) você deve dar o dízimo de 2K (milhões de dólares) diretamente ao pastor (Jang)”, diz a mensagem por e-mail de um gerente de contabilidade.

O caso do Reverendo Moon

Mais perto dos negócios que da fé – através da qual acumulou bilhões de dólares –, o reverendo Sun Myung Moon, fundador da Igreja da Unificação, mais conhecida como a Seita Moon, morreu em 2012. Para milhões de seguidores, ele era o messias, o chefe de um vasto império que administrava milhões e milhões de dólares, e que incluía de tudo, até a venda de armamentos, clubes de futebol e também, é claro, a indústria da informação – comprou a agência estadunidense UPI e diversos meios, entre eles, o Washington Times. Também foi dono do periódico Tiempos del Mundo, com edições em vários países da América Latina.

Deixou como legado um império bilionário, uma fama oxidada com o tempo por seus casamentos massivos e uma quantidade de detalhes obscuros de sua vida e suas atividades. Venerado por muitos, odiado por outros tantos, era um anticomunista incorrigível, ligado à direita mais cavernícola do mundo, fundou a Igreja da Unificação, em 1954 em Seul, na Coreia do Sul, com três milhões de seguidores em cerca de 200 países onde se instalou, junto com negócios imobiliários, midiáticos, hoteleiros, etc.

Em sua última passagem pela Argentina, Moon não estirou seus tentáculos somente pelos meios religiosos e jornalísticos. Também foi empresário do futebol, e Organizou a Copa da Paz, em Seul. Pagou 800 mil dólares ao Boca Juniors, então presidido pelo deputado Mauricio Macri, para levá-lo ao torneio, em 2005. Moon também era dono do Seul FC, que perdeu um amistoso contra o conjunto argentino, segundo o recordado pelo diário Página/12.

Nos Estados Unidos, onde ele teve a maior quantidade de adeptos, no dia 15 de maio de 2000, Moon comprou a velha agência de notícias United Press International (UPI), através da empresa News Word Communication, controlada pela seita, que também comprou o Washington Times, mais de direita que a própria direita estadunidense. George Bush pai assistiu ao lançamento do periódico Tiempos del Mundo, em Buenos Aires, e foi alojado como convidado especial do então presidente Carlos Menem, em tempos de relações carnais com o império.

Ricardo Carnevali é doutorando em Comunicação Estratégica e investigador do Observatório em Comunicação e Democracia, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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