Venezuela: adeus ao chavismo… vem aí o madurismo

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Álvaro Verzi Rangel|

Foi difícil este fim de ano na Venezuela. Difícil conseguir os produtos para as clássicas ceias natalinas, que reúnem as famílias em mesas com rum, cerveja, comida e canções típicas. Difícil achar um pernil para festejar de acordo com as tradições.

Mas o ano se foi. Outro ano recheado de violência política opositora, com mortos e feridos, e um tecido social fraturados. Para o governo, até que os últimos meses foram bons, permitindo até festejo com champagne pelos resultados eleitorais de outubro e dezembro. Mas o povo continua passando mal: falta dinheiro, o desabastecimento e a inflação continuam presentes, assim como a corrupção. Os enormes erros próprios do chavismo também se mantém visíveis, mas ao mesmo tempo o boicote do poder econômico e as equivocadas estratégias da direita orientada por instrutores estadunidenses e europeus acabam balanceando o jogo.ven Faja Orinoco

O diálogo político em Santo Domingo entre governo e oposição não tem dado frutos, mas continua de pé. Não são todos os setores da MUD (Mesa de Unidade Democrática, referente da direita venezuelana) que participam das conversas. Outro grupo ameaça voltar a tática das barricadas após as vitórias eleitorais chavistas. A Venezuela este ano promete continuar no olho do furacão.

O bolivarianismo modelo 2018 será um governo quase sem oposição, com uma dissidência interna que não encontra seu espaço (ou a qual não lhe dão espaço), com um governo que vai se afastando da figura e das ideias de Hugo Chávez, talvez tentando responsabilizá-lo dos desvarios das políticas econômica e financeira e da corrupção endêmica e obscena. Mas a realidade é que o que está presente na maioria da população é uma lealdade sólida à figura e princípios de Chávez, e é aqui onde alguns analistas observam uma nova época: uma coisa foi o chavismo e outra coisa é o madurismo.

A atual situação é melhor impossível para qualquer pessoa no poder após três disputas eleitorais vencidas com facilidade (constituinte, governadores e prefeitos), com uma oposição desunida e em desbandada, enquanto os rebeldes internos não conseguem se destacar. Tudo indica que a estratégia colocada em prática pelo presidente Nicolás Maduro e seus assessores socialdemocratas europeus se baseia no esquecimento do chavismo para dar vigência ao madurismo.

(170722) -- CARACAS, julio 22, 2017 (Xinhua) -- Un manifestante participa durante un enfrentamiento con miembros de las fuerzas de seguridad, en una protesta de opositores al Gobierno venezolano en Caracas, Venezuela, el 22 de julio de 2017. De acuerdo con información de la prensa local, manifestantes intentaron marchar el sábado hacia el Tribunal Supremo de Justicia (TSJ) en apoyo a los magistrados designados el viernes por la Asamblea Nacional (AN), durante una protesta convocada por la Mesa de la Unidad Democrática (MUD). (Xinhua/Str) (bv) (ma) (fnc)

Maduro pensa em adiantar as eleições presidenciais para fevereiro, para garantir a renovação do seu mandato e surpreender uma oposição perdida em seu próprio labirinto, que ao seguir o roteiro dos seus diretores do Norte acabou ficando sem falas convincentes. É falsa a ideia de que a oposição carece de estratégia: ela tem muitas, talvez até demais. Uns decidiram participar das eleições regionais e municipais, outros apelaram ao abstencionismo, inclusive com chamados a violência nos dias de votação para obstruir o voto. Houve até malabaristas que juraram não participar e acabaram se apresentando como candidatos por outras forças políticas.

Apesar do imaginário coletivo que o terrorismo midiático internacional quer impor, classificando o país como uma ditadura, a oposição já anunciou que vai sim participar das presidenciais, porém ainda não consegue apresentar um candidato de consenso e com apoio popular. O clima triunfalista de um lado e de outro gera uma perigosa tendência, que transforma alguns políticos em vigilantes do pensamento único, que reprimem a observação contraditória, crítica ou simplesmente diferente.

A corrupção é um câncer que já chegou à metástase na gigantesca petroleira estatal PDVSA. Talvez foi para escondê-la que Rafael Ramírez, homem forte dessa empresa e ministro de Energia durante o governo de Chávez por uma década, e recentemente embaixador na ONU, aparece apontado pelo promotor-geral Tarek William Saab em alguns casos. A estafa, pelo que se diz, superaria os 4,8 bilhões de dólares. Muitos se perguntam por que se está denunciando isso só agora.

Enquanto isso, no último dia de 2017, Ramírez enviou uma carta aberta a Maduro onde o compara com Herodes e o acusa de estar “assassinando a Revolução”.

Para alguns, esta desmobilização voluntária da oposição é o preâmbulo da próxima jogada da direita hegemônica global: uma intervenção aberta na Venezuela ou o lançamento de uma candidatura extrapartidária, que nestes momentos pareceria ser a do empresário Lorenzo Mendoza, um outsider ao estilo de Macri.

Muitos esperavam que o ano eleitoral fosse a ocasião para a necessária discussão interna no PSUV (Partido Socialista Unido de Venezuela, que reúne as forças do chavismo), mas os máximos dirigentes do mesmo estigmatizam qualquer discussão ou dissidência, com uma conduta que age em detrimento da unidade. Todo aquele que se afaste da linha ditada corre o risco de ser considerado desleal, divisionista, agente do imperialismo e até corrupto. Não faltam provas.

Há muitos chavistas que exigem mais democracia interna, menos candidaturas impostas de cima, milhões que questionam o rumo econômico assumido por Maduro ou reclamam da falta de ações mais contundentes contra a corrupção em seus níveis mais elevados, e não mero diversionismo para se livrar dos adversários internos ou potenciais candidatos.

Os assessores do governo acreditam que em condições de ameaça de Washington e de “perseguição financeira” internacional, a resposta da maioria do povo será a defesa de um símbolo político que encarne “a soberania e a autodeterminação nacional”. Esse seria Maduro.

Por isso, a maré de ameaças e denúncias, que deixam na areia as marcas da ausência do Estado. A insistência na guerra econômica – argumento que mostra seu desgaste diante da realidade da especulação cambiária e da inflação -, que tenta estabelecer no imaginário coletivo uma relação direta entre a crise e os agentes econômicos que – segundo o relato oficial – orquestram uma das mais longas “greves de investimentos” por motivação políticas que a Venezuela já experimentou.

*Sociólogo venezuelano e codiretor do Observatório de Comunicação e Democracia

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